terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Obrigação Perante Deus e os Homens.

. Um homem. Apenas um homem único resolve perceber a obrigação que todo ser humano tem que cumprir perante Deus e os homens: expressar suas fantasias.
. Cada ser humano deve ir, utilizando seus pensamentos e emoções, ao encontro de padrões de beleza e de prazeres que se encontram além de sua fisicalidade. Ao vivenciá-los, este ser humano passa a conter em si a obrigação de trazê-los ao alcance de todos os outros, através de sua criatividade. Este humano tem então que pintar, desenhar, escrever ou falar a respeito da existência destes padrões profundamente divinos. Ele deve criar representações do que experimentou, reconhecíveis pelos outros, porque todos os homens foram feitos artistas, independentemente de todas as circunstâncias naturais manifestas ao seu redor. Cultura, sociedade e família também são consideradas, por aquele único homem, circunstâncias naturais, pois ocorrem alheias à função humana que se estabelece na ligação de si com a divindade.
. A arte é densa. Não é etérea e nem se desfaz ao longo do tempo e da fisicalidade. Para quem precisa de um exemplo, o homem único diz que houveram vários artistas, já falecidos, que tiveram o reconhecimento de seus valores anos após suas mortes: a arte permaneceu viva, apesar da inexistência biológica de seus profetas.
. Este ser humano, feito artista em seu contato com a divindade em si, chafurda na dificuldade de ser o que é, porque a fisicalidade sempre se opõe ao que emerge de outra dimensão. O próprio homem artista se perde entre estas dimensões, mas, existe a possibilidade de adaptação entre suas várias percepções, sem que com ela perca sua sanidade mental. Para que esta adaptação ocorra, o homem artista precisa aceitar o fato de que outras pessoas não compreendem seus processos, suas dinâmicas.
. O homem artista está isolado do mundo comum, mas está plenamente integrado ao mundo divino de tudo o que é bom, belo e fantástico, que é encontrado presente e ativo nos sonhos e fantasias humanas. Ele é autêntico: não mente o que realmente sente, apenas sente diferentemente de outros tipos humanos. Ele sente simultaneamente por todos os aspectos de seu ser: corpo, mente, emoção, espírito e intelecto.
. Quando o homem artista se fixa em um único aspecto, através do qual sente o mundo e a si mesmo, é porque está em processo de defesa contra algum conflito importante entre o que está sendo sentido e como está interpretando, o que é percebido de forma simultânea por todos os aspectos de seu ser. Sua interpretação entra em conflito quando as percepções são contraditórias, porque ele não consegue fazer uma interpretação, satisfatória ou plena, das ocorrências. Este é um processo comum diante da pretensão de formalizar uma interpretação racional dos acontecimentos, quando é reduzida a percepção a um único aspecto é estabelecido um tema de sua confiança. Quem confia mais no corpo, prioriza a visão, a audição ou o tato. Priorizar a mente é associar o que conseguir, descartando o que não foi possível associar. A emoção priorizada, dificilmente ocorre sem intensidade, o que dificulta o ato de interpretar o que é percebido. Espiritualmente priorizadas, as percepções associam sua causa a algo superior a fisicalidade. O intelecto priorizado necessita de muitas vivências para se fortalecer, partindo da repetição de padrões que foram sendo identificados e aceitos como generalidades. O intelecto apóia-se na racionalização em detrimento da aceitação do que é dinâmico, do que não se estabelece de modo padronizável.
. O homem único, que percebeu a obrigação humana perante Deus e os homens, pode lançar-se no mundo através das palavras. Ele reconhece nas palavras de outros – ao ler seus textos – sua parcela de integridade, mas, em suas próprias palavras escritas não aceita este auto-reconhecimento. Nas obras que produz ele reconhece as idealizações que tem sobre sua própria figura, supostamente uma triste figura, que fornece justificativas fantasiosas para a continuidade da negação em reconhecer-se. Sua produção se dá, então, na vivência da tragédia, da dor controlada, visando garantir algo – mesmo que esta garantia seja apenas a do sofrimento premeditado.
. O homem artista, enquanto homem único, sabe que não há garantias, nem ao menos de que o sofrimento premeditado será mantido, pois os fenômenos percebidos e vivenciados por ele são estruturalmente bons – enquanto apoiados na divindade, em Sua forma de aplicar lições desenvolvimentistas ao ser humano. Seu desejo, contudo, é o de manter os fenômenos estáticos, de perpetuá-los. Ele pretende ficar estagnado na letargia gerada por uma paralisação da dinâmica que é o viver. Quando ele escreve sobre isto expressa coragem, audácia, só que de forma puramente racional. Sendo assim, o homem único foge do homem artista que é, na intenção de negar seu próprio desejo, que o levaria a cumprir sua obrigação perante Deus e os homens: expressar suas fantasias.
. O ser humano vive um constante dilema: como coordenar suas percepções com suas obrigações perante Deus e os homens?

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Sobre Família e Individualidade.

. Sempre que alguém fala de si é expressão de uma característica solitária, de uma individualidade que deseja participar em comunhão com todas as outras individualidades. Este é um processo que ocorre inconscientemente, porque pretendemos sempre manter em foco a consciência de uma identidade particular. Há uma ambiguidade humana em desejar unir as individualidades sem abrir mão de uma identidade exclusiva. Algumas teorias afirmam que o homem é um animal social, outras afirmam que a identidade é construída através do contato com as outras pessoas, mas, o que disse se refere à existência de processos conscientes e também de processos inconscientes, ao mesmo tempo, na mesma pessoa. Esta duplicidade de processos interfere extraordinariamente nas relações humanas, até mesmo impedindo que exista uma comunicação eficiente, nítida, entre duas ou mais pessoas. Para contornar esta falta de compreensão, é utilizada a focalização temática, ou seja: “tentamos compreender-nos a partir de objetivos que estamos tendo em comum” – “através da comunhão”.
. A comunhão é medíocre: uma situação mediana, desprovida de qualidade, formalizada entre a nobreza e a pobreza do que é ser humano. Nela não é possível a autenticidade, pois nos força a fazermos acordos que eliminam muito de ambas as identidades.
. Os maiores problemas nas relações familiares são, justamente, esta falta de comunhão: cada um quer ser autêntico, inviabilizando os acordos que desenvolveriam a família em uma redução drástica de objetivos em comum. O núcleo familiar não precisa de normas e regras, precisa de uma qualidade de comunicação que a transforme num grupo voltado à comunhão. Em família não há lugar para a grandiosidade de um indivíduo.